Fale-nos da sua carreira, de como tudo começou.
Nos finais da década de 70 era frequente os estudantes terem de garantir os seus próprios recursos económicos, já que a situação em Espanha era complicada. Numa cidade costeira como Vigo, havia a opção de trabalhar no porto a descarregar barcos ou controlar as mercadorias nos depósitos e armazéns.
Eu fui um desses estudantes que se estreou no mundo do trabalho no Porto de Vigo, dividindo o tempo entre os estudos e as responsabilidades laborais até obter o título de graduado comercial.
Em pouco tempo entrei para o departamento de contabilidade de uma agência administrativa e depois passei a desempenhar funções no seu departamento de seguros. O gestor era o agente representante de uma entidade seguradora chamada Andalucia y Fénix Agrícola (Grupo Equitativa).
Em 1983 terminei a minha ligação com essa agência e iniciei um projeto empresarial como agente independente de seguros.
E como se desenvolveu a história até aos dias de hoje?
Em março de 1986 tornei-me um dos sócios fundadores da corretora de seguros Campos y Rial, com sede na cidade de Vigo. Aí desempenhei os cargos de Presidente do Conselho de Administração e de diretor técnico, sendo responsável pelo departamento de Risco Empresarial (Riesgos de Empresas). Aí estive até dezembro de 1998.
No início de 1999 liderei a criação do Inade, o Instituto Atlántico del Seguro, que rapidamente se converteu numa consultoria líder de mercado entre os distribuidores de seguros em Espanha.
No ano de 2009, o Conselho de Sócios do Inade decidiu criar a Fundación Inade, e desde então acumulo a direção das duas entidades, a consultoria e a fundação.
Quais foram os momentos que considera mais importantes?
Do início da minha carreira, destacaria dois momentos: em 1978, quando o gestor administrativo me deu a oportunidade de me iniciar no mundo laboral; e em 1981, quando iniciei, ainda naquela agência, um contrato de colaboração com a corretora Gil y Carvajal (que hoje é a AON).
Dos meus projetos empresariais destacaria a criação da corretora de seguros Campos y Rial em 1986 e o nascimento, em 1999, do Inade, o Instituto Atlántico del Seguro.
Sem esquecer naturalmente o momento em que a Xunta de Galicia autorizou o funcionamento da Fundación Inade (2009).
Já como parte do meu trabalho de diretor da Fundación Inade gostaria de assinalar a assinatura, em 2014, dos convénios de colaboração com a Universidade de Santiago de Compostela e com a Universidade de A Coruña. Com esta última universidade, em 2016, criámos a Cátedra Fundación Inade-UDC e inaugurámos o curso de pós-graduação “Especialista em gestão de risco e seguros”.
Onde tem origem essa paixão pela gestão de risco?
Durante o período em que trabalhei na agência administrativa, um segurado que transportava areias húmidas para um local de construção sofreu um sinistro ao descarregar a sua mercadoria. A tramitação desse sinistro envolveu a minha ligação com a corretora Gil y Carvajal e, fruto dela, surgiu um acordo de colaboração que me permitiu conhecer a gestão de risco como ponto essencial da sua transferência.
A partir daí, realizei vários cursos sobre gestão de risco, sendo uma das minhas referências o Dr. Erik Kauf, doutorado em Direito pela Universidade de Paris.
Uma instituição queque me ajudou a aprofundar o conhecimento sobre a gestão de risco foi o Centro de Estudos da Fundação Mapfre.
O que impulsionou a criação da Fundación INADE?
A consultoria Inade, a operar desde 1999, tinha realizado diferentes atividades de formação sobre a gestão de risco e seguros.
O Conselho de Administração do Inade apresentou ao Conselho de Sócios um projeto centrado na criação de uma organização que pudesse colaborar o maior número de instituições, empresas e profissionais dedicados à gestão do risco como eixo do desenvolvimento empresarial.
Devemos ter em conta que a celebração de um contrato de seguro é a vontade de transferir um risco mas, para chegar a tal decisão, precisamos de ter um diagnóstico de qualidade do risco que vamos transferir.
Acreditávamos também que a instituição que queríamos criar, além de ser muito participativa, devia poder usufruir de benefícios fiscais, pelo que tudo apontava para a criação de uma fundação.
Decidimos que a fundação seria autónoma e, tendo o Conselho de Sócios aprovado a iniciativa, apresentámos o projeto à Xunta de Galicia, que aprovou a sua criação em meados de 2009.
A apresentação oficial teve lugar a 26 de novembro de 2009 no auditório da Universidade de Santiago de Compostela.
Fale-nos da Fundação e da sua atividade.
No ano de 2008, os empresários e diretores das empresas que formam o tecido produtivo galego estavam de costas viradas para a gestão de riscos.
O risco, apesar de ser um aspeto fulcral na criação da empresa, não era tomado em conta. Prova do mesmo é que, de 1972 a 2008, 12,5% das empresas galegas com mais de 100 colaboradores desapareceram por não terem implantada uma política adequada de gestão de riscos. O mais alarmante é que essas empresas representavam 25% dos empregos na Galiza, pelo que toda essa gente acabou por se ver sem trabalho.
Perante tal diagnóstico, o Conselho de Administração da Fundación atribuiu-se o objetivo de criar uma cultura de gestão de risco e, ao mesmo tempo, dar a conhecer as diferentes soluções oferecidas pela indústria seguradora para a sua transferência.
Para conseguir esse objetivo, o Conselho aprova anualmente um Plano de Atuação que inclui cinco áreas de trabalho: investigação, formação, partilha de conhecimento, transmissão de conhecimento e ações sociais.
A estrutura económica para implementar o plano de atividades é constituída por três pilares: as diferentes empresas que formalizam acordos de colaboração com a Fundación; uma grande família de “amigos”, formada por profissionais e empresas que entregam donativos com periodicidade anual; e um terceiro pilar formado pelas atividades comerciais que a própria instituição desenvolve.
A Fundación não recebe qualquer contributo económico de fundos públicos.
O que representa para si o seu trabalho à frente da Fundación?
Para mim ser o diretor da Fundación Inade representa uma grande responsabilidade, já que uma fundação não é o mesmo que uma entidade com fins comerciais.
O seu fim é criar um bem coletivo para o conjunto da sociedade, participando sempre nos interesses públicos já que, através dela, tanto os colaboradores como os que contribuem com donativos obtêm as vantagens fiscais que lhes são concedidas através da lei espanhola do mecenato.
Todas as pessoas em posição de liderança ou que participam nos diferentes órgãos da Fundación, ou seja, Conselho de Administração, Conselho Consultivo e Comité Técnico, desempenham as suas funções de forma altruísta, pelo que lhes destinamos parte do nosso tempo livre.
Com efeito, ser membro da Fundación permite-nos conhecer pessoas e organizações diferentes, muito além do círculo profissional. Desta forma enriquecemos os nossos conhecimentos e fazemos parte de uma realidade que, de outra forma, seria difícil de alcançar.
Uma das missões da Fundación é manter a ligação entre o mercado segurador e de gestão de risco e o mundo da universidade. Conte-nos porquê e também por que motivo o considera tão importante.
Desde o momento que começámos a projetar a Fundación Inade considerámos fundamental estabelecer pontes com o mundo universitário.
Na Galiza, contamos com três universidades públicas. É de lá que virão os futuros empresários e responsáveis das empresas. Se admitirmos que, nos dias de hoje, um dos problemas do tecido produtivo é a fraca implantação das políticas de gestão de risco (porque falta cultura) e a nossa missão é criar uma cultura de gestão de risco, torna-se evidente que onde temos de incidir mais com a nossa mensagem é nos bancos das universidades.
Esses alunos representam o futuro mais imediato. Se pretendermos aumentar o seu nível cultural em termos de gestão de risco, estamos convencidos de que amanhã teremos empresas melhor geridas e com riscos mais controlados. Isto, não restem dúvidas, é bom para a sociedade no seu todo, para o bem-estar e para a criação de riqueza.
Em sua opinião, quais são os maiores impactos da pandemia no setor segurador e de risco?
Embora nos últimos 100 anos o mundo já tivesse sofrido o impacto de diversas pandemias, esse risco não tinha reflexos nos diferentes relatórios que os especialistas iam publicando.
Prova do mesmo é que eram raros os programas de seguros que abordavam de forma clara o risco de pandemia. Na maior parte dos contratos ou era excluído ou nem se mencionava. Temos de reconhecer que este risco apanhou de surpresa os gestores de risco.
Ainda que em muitas ocasiões a gestão de risco seja uniformizada em diferentes países, nem sempre é assim e cada mercado trata o risco, do ponto de vista da cobertura de seguros, de forma distinta.
Para dar apenas um exemplo: em Espanha, a grande maioria das apólices de saúde, baixa médica e falecimento excluíam o risco de pandemia. Porém, no momento em que este se manifestou, o setor percebeu as suas implicações para a sociedade e não teve em conta estas exclusões.
Onde se verifica maior confusão é nos contratos que cobrem as perdas de exploração e prejuízo financeiro.
Na maior parte dos contratos, este risco é tratado como complemento de um sinistro sofrido pelos bens utilizados na atividade empresarial e a pandemia não produziu nenhum dano material. De facto, alguns segurados recorreram aos tribunais para tentar obter uma sentença favorável aos seus interesses.
Hoje, embora ainda haja reclamações no circuito judicial, pode concluir-se que foi mínimo o número de sentenças que os juízes proferiram a favor dos queixosos.
De notar que em todas há uma coincidência: a redação pouco clara do artigo 3 da Lei do Contrato de Seguro espanhola que considera que, se o tomador de seguro não assinar e consentir expressamente numa exclusão ou limitação, esta não prevalece.
Por outra parte, a grande recessão económica em consequência da pandemia levou à perda de uma parte do tecido produtivo, o que se repercute numa descida da importância que os cidadãos atribuem ao seguro.
Em Espanha, atualmente, os dados indicam um volume de negócios inferior ao registado em 2019. Também é certo que esta situação, somada a outras como as catástrofes naturais ou a falta de financiamento de determinados riscos, tem levado ao endurecimento das normas de subscrição por parte das seguradoras e diminuído o seu apetite por determinados riscos.
O setor está a tirar partido destas circunstâncias para sanear as suas contas e profissionalizar a gestão dos riscos, tanto por parte da sociedade como das próprias seguradoras. Os avanços na inteligência artificial contribuirão sem dúvida para este fim.
Outro impacto da pandemia é a maneira como as formas de trabalho se desenvolveram. O teletrabalho aumentou os níveis de risco, em particular o do risco cibernético. Para tanto contribui também o atual panorama de crise, produzido pela guerra na Ucrânia e as sanções que as organizações internacionais estão a impor à Rússia.
O que se aprendeu?
A gerir os riscos de forma mais profissional.
Como vê o futuro do setor de seguros e da gestão de risco face aos novos desafios como a digitalização e também os riscos emergentes?
A digitalização está a transformar o mundo. Gerir os riscos desta transformação é uma tarefa a que todos os gestores de risco se devem dedicar.
A indústria seguradora nasceu para mutualizar os riscos e esta continua a ser a sua missão. Difícil é imaginar as consequências económicas que podem advir dos riscos emergentes e o setor terá de se adaptar às novas necessidades que a sociedade lhe apresente.
Será fundamental apoiarmo-nos na inteligência artificial para obter mais informação sobre os riscos e tratá-los de forma eficaz. Embora esteja convencido de que o risco sempre irá liderar o caminho.
Os riscos da logística serão outro grande desafio do futuro próximo. Presentemente os centros de produção estão excessivamente concentrados. O comércio baseia-se, como sempre, em levar o produto do ponto de fabrico ao destinatário final, mas, hoje, o destinatário final já não está numa loja, está em casa a fazer compras pela Internet. As lojas tradicionais como ponto de venda sofrerão uma grande transformação e cada vez compraremos mais a partir do nosso telemóvel e menos das instalações físicas de uma loja.
As comunicações avançaram com a digitalização. O dinheiro, tal como o conhecemos, vai mudar. Talvez as pessoas deixem de ter moedas no bolso, mas antes instrumentos digitais que lhes permitam fazer transações; por isso, as ameaças do ciber-risco aumentarão.
Por outro lado, considero que os cidadãos de hoje não veem as suas necessidades satisfeitas e que, no futuro, confiarão as rédeas do governo a pessoas com escassa experiência de gestão. Pelo que possivelmente o risco político também aumentará.
Como é Adolfo Campos fora do trabalho? O que gosta de fazer nos tempos livres? Tem passatempos?
Um homem de família e muito amigo dos seus amigos. Gosto de participar em iniciativas que promovam a convivência, viajar, ler e conhecer pessoas novas. Decididamente, trato de aproveitar a vida.
A Fundación Inade é uma organização sem fins lucrativos que dedica todo o seu património à criação de uma cultura de gestão de riscos e a dar a conhecer as diferentes soluções proporcionadas pela indústria seguradora para transferir os riscos.
Opera no território autónomo da Galiza e está matriculada no registo de fundações da Xunta de Galicia desde a sua criação em 2009.
É membro do Conselho Consultivo da Confederación de Empresarios de Galicia e da Asociación Española de Fundaciones.
A sua estrutura orgânica consiste num presidente honorário, o conselho de administração, , o conselho consultivo, o comité técnico e a equipa de direção.
Na atualidade, o conselho consultivo é formado por empresas líderes no mercado espanhol setor dos seguros e da sua distribuição e, no seu Comité Técnico, estão representadas as empresas: Grupo Sanjosé, Grupo Nueva Pescanova, Grupo Coppo, e Pixeling.
Mantém acordos de colaboração com a Universidade de Santiago de Compostela como braço de investigação e com a Universidade de A Coruña em tudo o que toca à formação e tpartilha de conhecimento.
A Fundación Inade publica todos os anos um volume da coleção Cuadernos de la Cátedra, que permite aos beneficiários enriquecer os seus conhecimentos sobre gestão de risco e seguros.
Em colaboração com a Universidade de A Coruña oferece dois cursos de pós-graduação, um de especialização em gestão de risco e seguros e outro de especialização em responsabilidade civil e seguros.
A sua estrutura económica assenta em convénios de colaboração, doações dos “Amigos da Fundação” e no desenvolvimento de atividades comerciais.