Dossier Técnico

Publicado em Edição 14

Coberturas Verdes - um estudo de caso em Portugal

Há mais de 100 anos, na cidade do Porto, construiu-se uma das primeiras coberturas verdes em Portugal, numa antiga cisterna localizada no espaço hoje conhecido como Parque da Pasteleira. Esta cobertura verde, construída no século XIX, tirava partido do sistema tradicional de coberturas verdes e permanece, atualmente, como um dos ex-libris desta técnica de construção em Portugal.

O novo acordo verde europeu e a recém-aprovada “Onda de Renovação Verde” emergiram como parte da estratégia da Comissão Europeia para combater a crise económica causada pela Covid-19. Incluem coberturas verdes e jardins verticais como parte do plano da Europa de descarbonização, poupanças energéticas e combate contra a pobreza energética.

Esta excelente iniciativa vai permitir que as cidades beneficiem dos diversos serviços ecossistémicos que as coberturas e jardins verdes podem trazer, nomeadamente:

  • Capacidade de retenção das águas pluviais, que implica redução dos problemas de inundação nos picos de pluviosidade;
  • Melhoria do microclima e consequente redução do efeito de ilha de calor urbana;
  • Promoção da melhoria da qualidade do ar através da captura de CO2, produção de oxigénio e retenção de poeiras e partículas em suspensão atmosférica;
  • Diminuição do ruído;
  • Promoção da biodiversidade;
  • Redução de custos energéticos e pobreza energética devida ao isolamento térmico que as coberturas verdes conferem aos edifícios;
  • Redução dos custos de manutenção dos edifícios graças à proteção dos sistemas de impermeabilização, aumentando a sua vida útil;
  • Possibilidade de produção de alimentos locais frescos;
  • Aumento do espaço útil na cidade;
  • Valorização do imobiliário.

Se todos os edifícios têm cobertura, por que razão temos milhões de metros quadrados de coberturas nas cidades que não trazem nada de positivo às populações?

O governo português já deu sinais de alinhamento com os objetivos europeus e o recém-criado fundo ambiental representa um incentivo financeiro às instalações de fachadas e coberturas verdes.

O mercado das coberturas verdes em Portugal tem crescido ao longo dos últimos anos. No entanto, a disseminação de coberturas verdes, inicialmente na Europa e mais tarde no resto do mundo, só se tornou possível graças a numerosas políticas de incentivo que promovem a sua construção, baseadas em pesquisas sobre os seus benefícios ambientais, económicos e sociais. Sem vontade política, é difícil implementar coberturas verdes em larga escala nas cidades e, sem uma implementação em larga escala na cidade, os seus benefícios não serão significativos para o ambiente urbano no seu todo.

O Projeto Quinto Alçado do Porto (PQAP), desenvolvido pela Associação Nacional de Coberturas Verdes (ANCV), juntamente com a Câmara do Porto, é um excelente exemplo de como os municípios podem trabalhar para reinventar a forma de os edifícios servirem os seus habitantes. Este projeto, cujo propósito é definir que modelos o município do Porto deve seguir para incluir as coberturas verdes no planeamento urbano, e nas suas estratégias ambientais e para as alterações climáticas na cidade, foi desenvolvido ao longo de um ano. O município abraçou o projeto entusiasticamente e a cooperação com a ANCV é um caso de estudo de sucesso.

Além disso, uma das mais importantes partes do projeto estava ligada ao desempenho da cobertura verde no desenvolvimento da proposta de regulamento. Se, durante muitos anos, o foco europeu recaía sobre a criação de políticas de incentivo sem qualquer distinção entre o tipo de coberturas verdes existentes - o foco agora deve dirigir-se para o tipo de cobertura verde que queremos nas cidades, de acordo com os serviços que podem sustentar e as diferentes necessidades ambientais de cada cidade. Portanto, as políticas devem ir ao encontro das necessidades especificas de cada cidade e detalhar, caso a caso, as características e os benefícios mais adequados a essa realidade.

Felizmente, a importância das coberturas verdes já não é apenas reconhecida pelos legisladores nacionais ou políticos locais. Em vários países pelo mundo fora, especialmente na Europa, os promotores da construção civil já se deram conta do enorme potencial de rendimento de um edifício que oferece um jardim aos seus residentes.

Recentemente, a Neoturf participou num projeto, primeiro como paisagista e mais tarde como construtor da cobertura verde, liderado pelo arquiteto Duarte Morais Soares no centro histórico do Porto, que é um excelente exemplo deste tipo de solução com base na natureza: a reconstrução do edifício Emporium.

Esta icónica construção na Rua Sá da Bandeira é conhecida na cidade por albergar o Café e Restaurante Cunha no rés-do-chão. Construído em 1948 como obra de elevado prestígio, não oferecia aos seus residentes qualquer área de jardim.

Nesta renovação profunda, o promotor teve a brilhante iniciativa de incluir a reconstrução total da cobertura da garagem, colocando sobre ela 800m2 de cobertura verde.

O que era um interior de quarteirão desqualificado, cinzento e inteiramente tomado pelo betão, tornou-se um oásis para os seus novos residentes e vizinhos.

O sucesso da comercialização foi imediato e o retorno sobre o investimento tem sido muito positivo.

As coberturas já não são uma mania exclusiva de excêntricos com preocupações ambientais, mas sim uma tendência nas novas construções, um foco dos municípios e uma linha de investigação para vários grupos em Portugal, bem como uma indústria em crescimento.

Esta é uma ótima notícia para as cidades e sobretudo para os seus habitantes.

Imaginem como seria melhor, durante esta crise pandémica, poder visitar o jardim na cobertura do nosso prédio!

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AUTORES

Paulo Palha

Paulo Palha

CEO - Neoturf

É licenciado em Engenharia Agronómica pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Desde 1999 desenvolve trabalhos nas áreas da arquitetura paisagista, construção e manutenção de jardins, coberturas verdes e jardins verticais. É atualmente Diretor-geral da empresa Neoturf e fundador e responsável pelo Departamento de I&D, da empresa Landlab. Mais recentemente iniciou a NBS + ES Soluções com base na Natureza, que se dedica a transformar lixo plástico do mar em jardins verticais, estando este sistema patenteado. Já desenvolveu inúmeros projetos de jardins e coberturas verdes, tendo coordenado as obras/instalação da grande maioria destes, em Portugal e no estrangeiro. Foi um dos fundadores da associação nacional de coberturas verdes ANCV (www.greenroofs.pt) da qual é o atual presidente da direção. É atualmente vice-presidente da EFB - Federação Europeia de coberturas e paredes verdes, e representante de Portugal na WGIN - World green infrastructure network.