Grande Entrevista

Publicado em Edição 14

O titã do mercado português

Em tempos de pandemia, foi com muito prazer que a FULLCOVER entrevistou Jorge Magalhães Correia, Chairman da Fidelidade, um grande grupo segurador multinacional de origem portuguesa, com operações na Europa, África, Ásia e América do Sul.

E, ainda que o sucesso nunca se possa atribuir apenas a uma pessoa, existe claramente um líder em todo este percurso - um profissional de seguros reconhecido pelos seus pares, com uma visão humana do negócio e daquilo que deve ser o contributo de uma seguradora para com os seus clientes e a sociedade em geral. Apesar do “distanciamento obrigatório”, Paula Rios da MDS e Jorge Magalhães Correia conversaram sobre o passado, o presente e o futuro, um momento em que não faltaram a habitual bonomia e sentido de humor do anfitrião.

Nascido em 1957, Jorge Magalhães Correia é Licenciado em Direito, estando inscrito na Ordem dos Advogados. Iniciou a vida profissional como docente da Faculdade de Direito de Lisboa. Desempenhou cargos na I.G.F. – Inspeção-geral de Finanças e na C.M.V.M. – Comissão de Mercados e Valores Mobiliários. Entrou para o atual grupo Fidelidade em 1994 assumindo, desde 1998, cargos de administração executivos nas diversas empresas do grupo, na área seguradora e na área hospitalar. Presentemente é Presidente do Conselho de Administração da Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., Presidente do Conselho de Administração da Luz Saúde, S.A., Vice-presidente da APS – Associação Portuguesa de Seguradores, membro da The Geneva Association e Vice-Presidente do Banco Millennium BCP.

Estudou Direito e sabemos que foi professor na Faculdade de Direito durante 9 anos. O que o fez passar para o setor segurador?

Nao foi uma passagem direta. Antes dos Seguros tive outras experiências profissionais, quase sempre desenvolvidas em paralelo. Na universidade, na advocacia, como auditor do Estado, na supervisão do mercado de capitais. Essas várias experiencias tiveram em comum permitirem‑me conhecer, a partir de ângulos diferentes, o sistema financeiro e seus principais atores. Daí uma certa predisposição para essa área.

Em 1995, entra na Mundial‑Confiança. Como aconteceu?

Aconteceu por acaso. Mas a verdade é que o acaso raramente se engana. O Grupo Champalimaud, encabeçado pela seguradora Mundial‑Confianca, reforçava a sua posição no sistema bancário e precisava de quadros polivalentes e com conhecimentos na área do mercado de capitais. E eu estava num momento de alguma apreensão profissional, face a determinadas circunstâncias da época. A aproximação foi feita por um amigo comum e a identificação com o projeto e, sobretudo, com as pessoas foi intuitiva e imediata.  

Desde 1998 tem exercido funções de administração em várias das empresas do Grupo. Como vê a evolução do Grupo ao longo destes mais de 20 anos?

Resumidamente, identifico dois grandes períodos. Nos primeiros 10 anos, procuramos aproveitar todas as oportunidades para crescer, o que permitiu unificar três das principais marcas do mercado, a Mundial‑Confiança, a Império‑Bonança e a Fidelidade. Houve clarividência para intuir que a dimensão e um fator determinante na atividade seguradora, pois permite uma melhor gestão do risco e maior diversificação.

A segunda fase, que corresponde sensivelmente à última década, pode ser sintetizada na palavra progresso, no sentido lato do termo, de crescimento harmónico e sustentado. A prioridade passou a ser a de colocar a Fidelidade, em termos de produtos e serviços, de tecnologia, de pessoas e de processos, em condições de enfrentar os desafios da nova economia. E creio, sem modéstia, que fomos bem‑sucedidos.  

Quais foram as principais conquistas?

Nos últimos 5 anos, os lucros superaram 1.200 milhões de euros e a receita Não-Vida aumentou cerca de 40%, com mais de 400 milhões de euros de prémios adicionais nesse período, o que praticamente equivale à dimensão de algumas seguradoras que operam em Portugal há muitos anos.

A situação líquida aumentou 65%, a rentabilidade operacional melhorou todos os anos. Os ativos sob gestão aumentaram mais de 20%, a presença internacional alargou‑se e o seu peso quadruplicou. A atividade do grupo alargou‑se a área hospitalar, com o grupo Luz Saúde. O quadro de colaboradores foi rejuvenescido com cerca de 850 novos elementos, sem afetar o saldo global. E, talvez o mais importante, a Fidelidade tem sido consecutivamente considerada como a Companhia mais reputada, mais inovadora, com melhores produtos, com melhor índice de satisfação dos clientes e, sabe‑se agora, com um nível de reclamações registadas na ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) muito abaixo da média do mercado. 

Pode partilhar a receita?

Menciono os principais ingredientes. Primeiro, uma dose generosa de sentido de responsabilidade, atuando com prudência, como regulador natural do mercado, o que não raras vezes significou remar contra a maré. Segundo, adicionar qualidade de serviço como principal fator de diferenciação. Terceiro, acrescentar inovação, pensando de uma forma mais global e aberta, para além dos limites do seguro e dos cânones da indústria. Quarto, envolver tudo com uma atitude humanista, com uma palavra, um sorriso, um aperto de mãos, na altura em que os clientes mais precisam. Finalmente, servir quente por uma equipa polivalente e alinhada em torno dos mesmos valores, onde cada um sabe perfeitamente o que tem a fazer em cada momento.  

Tem no seu currículo uma experiência de que poucos se poderão gabar: ter sido o líder duma empresa, primeiro pública e depois privada. Curiosamente, antes de ser adquirida por um grupo privado, a Fidelidade já se caracterizava por uma atitude inovadora, e por uma liderança de facto, e não apenas de jure, demonstrando que o facto de ser detida por capitais públicos não era constrangedor.

Sempre atuámos num mercado privado muito competitivo, em condições concorrenciais, e sempre tivemos capacidade de atrair e reter os melhores profissionais. Isso foi possível, em boa medida, porque a CGD, apesar das limitações a que esteve submetida, demonstrou uma grande sensibilidade para as necessidades e especificidades da atividade seguradora. Acresce que a privatização foi, para nós, um processo natural e sem qualquer sobressalto. E isso talvez tenha uma explicação genética. Foi uma espécie de regresso às origens. O universo de seguradoras que integraram hoje a Fidelidade, a própria Fidelidade, a Império, a Bonança e a Mundial‑Confiança, estiveram em mãos privadas durante a maior parte da sua história. Se somarmos todos os anos em que estas empresas foram detidas por acionistas privados, o resultado ultrapassa os 500 anos, 5 vezes mais do que nos anos em que estiveram no âmbito do setor público.

Desempenha funções de liderança há mais de 20 anos. Quais são para si as características de um bom líder?

Não sei, de todo, responder a essa questão. As minhas perspetivas sobre a liderança, em geral, têm evoluído muito ao longo dos anos, com algumas boas surpresas mas com muitas desilusões. Todos conhecemos diferentes posições acerca das qualidades necessárias a uma boa liderança. E todos conhecemos líderes de sucesso que não correspondem a tais padrões. E o contrário também é verdadeiro. Nem todas as situações requerem o mesmo estilo de liderança. Mas acho que é importante algum sentido de humor, porque ajuda a relativizar as situações e a não nos levarmos demasiado a sério, e tendo ainda a concluir que a dimensão ética pode ser a última fronteira entre um líder e um “bom” líder. 

A Fidelidade está num momento de transição em termos de liderança. Como está a decorrer esse processo?

Sim, estamos a fazer uma transição, que iniciámos há 3 anos. A empresa já não é liderada por mim em termos executivos. Desde 2017, Rogério Campos Henriques foi Vice‑Presidente da Comissão Executiva, e recentemente foi nomeado Presidente da Comissão Executiva, que tem vindo a ser fortalecida e renovada. Eu mantenho‑me como Presidente do Conselho de Administração, embora preservando algumas áreas executivas. Daqui a três anos serei um chairman não executivo, fazendo‑se assim esta transição de equipa duma forma bastante serena.

O que nos interessa, fundamentalmente, é assegurar a continuidade do nosso programa estratégico. No nosso negócio, em que trabalhamos com redes de distribuição externas, ao contrário da banca, o principal valor que os nossos parceiros nos atribuem é o da estabilidade — tem de haver uma grande previsibilidade e uma grande confiança de que mantemos as nossas políticas estáveis ao longo do tempo. Por isso procuramos que a nossa gestão reflita muito esse princípio, e é isso que, nos maus momentos, nos tem assegurado a fidelidade da rede e dos nossos parceiros. 

Qual o maior desafio que enfrentou na Fidelidade?

Em termos de negócio, a decisão que terá tido maior impacto naquilo que a Fidelidade é hoje, foi a que tomámos a partir de 2005 de não contribuir para a “guerra de preços” que estava então instalada e de assumir que isso levaria necessariamente a uma perda de quota de mercado considerável. Não fomos pelo caminho mais fácil dos preços e apostámos na qualidade de serviço e na criação de uma rede de mediação exclusiva que soubesse valorizar esse fator. Foi uma decisão arriscada, porque as perdas eram certas e imediatas e os benefícios incertos e a prazo. Víamos alguns dos nossos concorrentes a crescer, e nós não. Recordo ainda o sorriso condescendente de algumas pessoas, perante os quase 10 pontos de quota de mercado que conscientemente perdemos nos seguros de Acidentes de Trabalho, sem realmente entenderem que estávamos apenas a “emprestar” quota de mercado que mais tarde teria de nos ser “devolvida”. Como foi. 

A partir de 2005 teve lugar a maior operação de fusão de sempre do sector segurador português, entre a Fidelidade Mundial e a Império Bonança, companhias que já resultavam, cada uma, de anteriores processos de fusão. Qual o segredo do sucesso desta operação?

Creio que o principal fator foi uma boa integração operacional, dos back‑offices, acompanhada por uma estratégia de marca inclusiva dos nossos parceiros da distribuição. Tínhamos duas marcas muito fortes e o objetivo foi o de fazer convergir e ancorar as redes de distribuição vinculadas a cada uma dessas marcas a uma única plataforma operacional, com melhor serviço, criando, a partir daí, as bases operacionais para o lançamento da marca Fidelidade.  

É conhecido como sendo um gestor muito humano, que privilegia as pessoas e lhes reconhece sempre a sua dedicação à empresa. Também no processo acima referido, as pessoas foram sempre a sua preocupação. Quer explicar‑nos como tem sido lidar com pessoas, ao longo da sua carreira?

Procuro apenas ser uma pessoa acessível e decente, porque acredito nesta virtude, embora ela seja difícil de caracterizar. A decência é a estética da ética. Na realidade, nunca tive muita apetência, nem aliás paciência, para as questões laborais mais formais e para as habituais agendas reivindicativas. Mas tento compensar com um genuíno sentido gregário da” família Fidelidade”. O que não é difícil, porque nesta empresa acreditamos que a diferenciação entre as seguradoras vai ser feita com base nas pessoas e não na tecnologia, porque inevitavelmente todas as empresas terão acesso às mesmas tecnologias.  

A Fidelidade é, desde 2014, uma empresa do universo Fosun. Como foi a transição para este grupo?

A transição foi muito boa. Primeiro, porque após a venda não houve o mínimo incidente, imprevisto ou qualquer surpresa negativa, apesar de se tratar de uma transação de grande dimensão e complexidade. A Fidelidade é uma empresa tradicionalmente muito bem provisionada e o vendedor, CGD, fez jus à sua impecável reputação. Depois, ao nível da gestão, foi possível criar, em muito pouco tempo, uma relação de confiança, baseada na disponibilidade, na ambição para assumir desafios e na sinceridade e transparência. Quando nos relacionamos com outra cultura, qualquer que ela seja, há três formas possíveis de agir. Ou confrontamos, pensando que a razão está sempre do nosso lado, o que tende a criar barreiras intransponíveis. Ou nos lamentamos por sistema, o que cria bolhas de isolamento. Ou nos adaptamos, podendo então beneficiar da diversidade de perspetivas. Eu creio que, em geral, os portugueses e os gestores portugueses têm aqui uma vantagem competitiva. Sabem observar, aprender e aceitar o comportamento alheio e adaptar o seu próprio. 

Como é conviver com a CGD e a Fosun?

A estrutura acionista resultante da privatização deu‑nos a oportunidade singular de continuarmos a aproveitar a grande capacidade comercial e reputação da CGD no mercado português e de, ao mesmo tempo, alargarmos os nossos horizontes tirando partido da visão e experiência da Fosun. Recordo que, em outubro de 2014, apenas 6 meses após a privatização, a gestão da Fidelidade teve o apoio dos acionistas para um investimento estratégico de 460 milhões de euros, que foi a aquisição do grupo hospitalar Luz Saúde. Foi um grande sinal de confiança, que muito dificilmente teria sido possível no contexto anterior.  

A Fidelidade dá particular importância à responsabilidade social, tendo desenvolvido inúmeras iniciativas nesse sentido ao longo dos anos. Gostaria de dar alguns exemplos?

Nós olhamos para a responsabilidade social não como uma moda passageira, mas sim como uma alavanca estrutural de melhoria e como uma plataforma de diálogo intergeracional dentro da empresa. O propósito da Fidelidade é o de ser uma empresa high‑tech mas também high‑touch. Tecnologicamente avançada mas verdadeiramente humana e um exemplo de cidadania. É aqui que entra o nosso programa de responsabilidade social, sob a designação Fidelidade Comunidade.

Esse programa tem um eixo interno, virado para os colaboradores, e um eixo externo virado para a inclusão das pessoas com deficiência, o envelhecimento, a prevenção na saúde e a cultura. Procuramos ter uma abordagem consistente com a nossa atividade e limitar a dispersão. A iniciativa mais relevante é o Prémio Fidelidade Comunidade, que apoia e acompanha instituições privadas sem fins lucrativos que atuam naquelas três primeiras áreas. 

A transformação digital tem transformado a nossa sociedade e economia nas últimas décadas. O Grupo Fidelidade tem tido um papel ativo no apoio às start‑ups tecnológicas. Como vê esse impacto no setor segurador?

Considero que há dois tipos de digitalização. A boa e a menos boa. A boa refere‑se a tudo aquilo que traz mais eficiência, menos custos e melhor qualidade de serviço para os clientes. A menos boa, refere‑se a determinados modelos de negócio digitais, que aumentam a concorrência sacrificando a qualidade de serviço, não sendo, todavia, claro que possam vir a ser rentáveis. Felizmente que, como opção de fundo, a Fidelidade assenta a sua distribuição Não-Vida numa extensa rede de agentes e corretores, que são a nossa primeira linha de defesa e que estão muito comprometidos com os clientes. Estamos muito orgulhosos do valor que os nossos parceiros e a nossa rede física de balcões têm acrescentado durante a pandemia. 

Em 2015 foi nomeado Global Partner da Fosun, tornando‑se parte de um grupo restrito de líderes das empresas em que o Grupo investiu por todo o mundo e que funciona como um grupo consultivo para a estratégia de desenvolvimento. O que significa para si esta nomeação?

Significa duas coisas. Significa o reconhecimento da importância da Fidelidade e de Portugal para o grupo Fosun. E, no plano pessoal, significa uma oportunidade de conhecer mais de perto uma realidade diferente e de participar no desenvolvimento de um grupo à escala global.  

Fazendo parte de um Grupo de origem chinesa, tem uma forte ligação à China, tendo‑a visitado muitas vezes. Numa perspetiva pessoal, o que mais o impressiona na China atual?

Talvez a procura constante de inovação, nos mais diversos domínios, o genuíno apreço que existe por Portugal, baseado na experiência histórica de Macau, e a capacidade de execução dos projetos. 

Recentemente afirmou que “a Fidelidade é uma empresa ambiciosa, mas não é gananciosa”. Quer explicar‑nos melhor esta ideia?

Essa frase foi proferida em 2018, mas tem uma renovada atualidade neste momento de pandemia. Como princípio, evitamos atuar numa base estritamente economicista. Creio que isso é notório. Se não, por que razão haveríamos de, por exemplo, pagar os testes Covid‑19 e suportar os custos do tratamento, se isso em lado algum está coberto pelos seguros de saúde? Por que motivo apoiaríamos os menos afortunados, vítimas de acidentes, indo muito além das nossas obrigações contratuais, através do nosso programa WeCare, que foi considerado pela EFMA como a melhor iniciativa de economia sustentável entre 500 candidatos de todo o mundo? Este posicionamento tornou‑se numa característica endémica da Fidelidade. 

Durante a pandemia, a Multicare, uma empresa do Grupo Fidelidade, foi a única seguradora do mercado português a derrogar a exclusão relativa às pandemias, garantindo assim aos seus clientes a cobertura do seguro em situações de doença e internamento por Covid-19. Quer comentar?

Vem na linha da resposta anterior. A Multicare não podia deixar de apoiar os seus clientes e parceiros perante a recusa do SNS em suportar os custos dos doentes que viessem a ser assistidos nos hospitais privados e que não tivessem sido referenciados. Fizemos o que nos pareceu ser o melhor para o sistema nacional de saúde, público e privado, e, por conseguinte, para o país. Através da telemedicina e do Covid‑19 symptom checker procurámos aliviar a sobrecarga sobre o SNS e quisemos também dar um firme sinal de apoio ao sistema privado de saúde, que tem contribuído para a melhoria dos cuidados de saúde da população e que é decisivo para a recuperação dos tratamentos que ficaram adiados pela pandemia. 

Nos últimos anos, a Fidelidade tem prosseguido um importante caminho de internacionalização, quer para África — mercado habitual de expansão das empresas portuguesas — quer para a América Latina (Perú, Bolívia e Paraguai) ou Ásia (Macau) países já não tão habituais. Quer falar‑nos desta aventura por novas geografias?

A Fidelidade é grande em Portugal, mas é pequena à escala internacional. Temos sentido a necessidade de assegurar novas vias de crescimento e de mitigar o risco de concentração num único mercado. Acresce que a falta de dimensão acabaria por penalizar a nossa capacidade para investir em tecnologia, para inovar, e para encontrar parceiros interessados em partilhar as suas competências connosco. E a verdade é que o caminho da internacionalização, não sendo isento de dificuldades e riscos, é hoje bastante mais fácil do que no passado, porque as novas tecnologias permitem replicar produtos e serviços de uma forma muito mais simples e rápida. 

Como está a correr?

Está a correr bem. No seu conjunto a atividade internacional deu um contributo muito positivo para a rentabilidade do Grupo em 2019 e, como já disse, passou a representar mais de 20% da receita Não Vida, quando há 3 anos o seu peso era apenas de 5%.   

Há novos projetos em carteira?

A equipa executiva da Fidelidade acompanha este assunto muito de perto. Há ainda um caminho a percorrer no fortalecimento das operações atuais, mas não deixarão de ser consideradas, de forma seletiva, as oportunidades que façam sentido, que caibam na agenda estratégica e que sejam enquadráveis nas nossas capacidades. 

A MDS e a Fidelidade têm uma relação muito intensa, de longa data, quer em Portugal e nos países onde está diretamente presente, quer através da sua participada Brokerslink. Como vê esta parceria e a sua evolução no futuro?

É, como diz, uma relação antiga e intensa, mas também profícua. A MDS e a Fidelidade são empresas com uma personalidade vincada mas que partilham uma visão de mercado no que respeita, por exemplo, à agenda internacional, à apetência para a inovação e à valorização do papel do corretor na mitigação do risco. A procura de criação de valor para os clientes tem‑nos levado a trabalhar em conjunto tanto na simplificação de processos e melhoria dos níveis de eficiência operacional, como no estabelecimento de mecanismos de prevenção e acompanhamento da sinistralidade de grandes clientes. Isto tem sido possível na base de uma relação de proximidade e de confiança que estou certo se desenvolverá no futuro. 

Como vê o papel da distribuição no mercado segurador, e dos corretores em particular?

Em relação à corretagem, creio que as fronteiras tradicionais vão esbater‑se e que o corretor e a seguradora farão parte de uma mesma cadeia de valor, um ecossistema, como agora se diz, em que ao primeiro caberá um papel crucial no aconselhamento e mitigação do risco. Os clientes vão continuar a dar valor ao conhecimento e à especialização e vão dar ainda mais valor a quem deles tenha uma visão de 360º, sobretudo num momento em que os riscos complexos e não “comoditizados” tendem a aumentar — riscos catastróficos, sanitários, patrimoniais, ambientais, cibernéticos, de responsabilidades, etc.

Como vê a consolidação do setor segurador, não só em Portugal, mas a nível global?

Portugal é um mercado muito concorrencial mas concentrado. Por isso não vejo grande espaço para consolidação, sem prejuízo de algumas situações particulares. Há, talvez, muitas empresas generalistas e poucas especialistas. Já a nível europeu a situação é diferente, dependendo dos mercados, mas é um facto que concorrem neste espaço 2.900 seguradoras e mútuas, segundo creio, o que parece claramente excessivo.

Depois das exigências impostas pela Solvência II, o setor segurador tem agora um novo desafio na adaptação às novas regras de regras de contabilidade, a IFRS 17, que implica ajustamentos em processos, sistemas, dados e pessoas. Acredita que o mercado português está preparado para responder a mais esta obrigação?

Os projetos de implementação estão em andamento, mas acredito que em diferentes velocidades. Temos a consciência de que se trata um processo que implica grandes mudanças e que existem desafios operacionais consideráveis no que respeita, por exemplo, à disponibilidade e qualidade dos dados e à organização dos recursos. A Autoridade de Supervisão de Seguros está a fazer um esforço considerável para garantir que haja uma implementação inclusiva e homogénea da Norma, o que nalgumas matérias poderá ser difícil.

A crise pandémica trouxe alterações em diversos aspetos, nomeadamente a nível laboral com o modelo do teletrabalho. O que mudou no plano relacional? De que forma vê a alteração do paradigma laboral e seus impactos?

Quando esta fase aguda acabar, quando regressarmos à nova normalidade, todos precisaremos de muitos abraços, como espécie relacional que somos, a única espécie animal capaz de criar vínculos de grupo com as mais diversas e inesperadas motivações. Sinceramente, não acredito num futuro menos relacional, nem que se possa prescindir do contato pessoal no mesmo espaço físico. As formas e intensidade é que poderão ser diferentes. Para já, parece evidente que precisaremos de menos espaço físico e que podemos ter muita mais flexibilidade de horários, sem os incómodos que o trabalho no escritório fora das horas habituais representa para os colaboradores. Olhando pela ótica dos clientes e parceiros, creio que vamos poder prestar um melhor serviço, à altura dos clientes mais exigentes. Paradoxalmente, vamos sair desta crise mais digitais mas também mais próximos dos nossos parceiros e clientes.

O edifício da nova sede anunciada pela Fidelidade terá em conta essa nova normalidade?

A pandemia confirmou que estamos no caminho certo e acentuou certos aspetos. Daqui a uns anos vamos olhar para trás e distinguir as coisas antes da Covid e depois da Covid. A nossa futura sede será um edifício de nova geração. Um edifício amigo do ambiente e saudável, com mais ar fresco, que beneficiará do espaço de natureza e cultura previsto para Entrecampos (antiga Feira Popular), com uma dimensão social e comunitária equilibrada, onde as pessoas poderão combinar várias atividades e até fazer coisas que não conseguem fazer em casa. Estas questões têm agora um enorme valor, pois ninguém quer trabalhar numa caixa de vidro ou de cimento. Não estamos a falar de dinheiro, estamos a falar de uma atitude correta na utilização dos recursos.

Sabemos que um dos seus hobbies são os carros clássicos. Imaginamos que tenha uma frota interessante. Quais os seus favoritos? O que o fez “apaixonar‑se” por estes carros?

Tenho alguns clássicos, o mais antigo com 65 anos e o mais recente com 45, e o que mais me interessa neles é a sua estética. Vejo‑os como uma espécie de obras de arte, com a vantagem de se poder passear nelas. O poder do automóvel não vem apenas das suas prestações mecânicas, vem sobretudo do seu apelo visual e emocional. E isso é algo que se perdeu. Hoje conduzimos uma espécie de eletrodomésticos com características praticamente indiferenciadas.

Outro dos seus hobbies é a música – ainda toca guitarra nos seus tempos livres?

Raramente. Posso passar vários meses sem me aproximar do piano ou das guitarras. E não é por falta de tempo nem de material. É por falta de coincidência entre o interesse e a oportunidade. Quando me apetece, não posso. E quando posso, não me apetece.

Uma sede para o futuro

O maior grupo segurador português, cujos colaboradores se encontram — ou melhor, encontravam, antes da pandemia — dispersos por vários edifícios em Lisboa, desde a atual sede no Largo do Calhariz, até ao edifício da Alexandre Herculano, ou às instalações nas Olaias, perto do Areeiro, entre outros, vai ter uma nova sede, anuncia‑nos o seu Chairman.
“Decidimos, quando adquirimos os terrenos da antiga Feira Popular (em Entrecampos, nas Avenidas Novas), construir lá a nossa nova sede. Vai ser um projeto fantástico, provavelmente o principal projeto imobiliário pós‑Covid numa capital europeia,” acrescenta, com orgulho.
Foram auscultados vários gabinetes de arquitetos, alguns famosos, como Norman Foster, Souto Moura… recaindo finalmente a escolha num gabinete americano. No restante terreno será desenvolvido um projeto imobiliário com espaços habitacionais e comerciais.
Voltando ao novo edifício, prossegue: “Este projeto tem para nós uma importância muito grande, porque estávamos dispersos um pouco por toda a cidade. Vemos este edifício como uma espécie de representante vivo da nossa marca junto da comunidade. Vai ser um edifício muito aberto; tem como âncora várias universidades da zona, vai ser aberto ao público, e vai certamente ser um local onde teremos as melhores condições para trabalhar.”
“Será um edifício ambientalmente sustentável, com uma ventilação natural, ar puro; vai permitir que as pessoas se foquem no trabalho, mas também possam relaxar, colaborar e conviver; vai proporcionar o contacto com a marca Fidelidade e ser igualmente um ponto de referência cultural a vários níveis”. Refere‑nos ainda que estão a trabalhar com consultores para conseguir materializar estes objetivos. O edifício terá cerca de 40.000 metros quadrados. Inicialmente, e para alojar todos os colaboradores, seriam necessários apenas 30.000, e com a realidade do teletrabalho, serão avaliadas as necessidades de espaços e a realocação a outros fins. A ocupação deverá ser flexível face às necessidades de cada momento. Na sua opinião, o teletrabalho é algo que veio para ficar, em alguma medida, e que, surpreendentemente, se revelou muito produtivo, em algumas circunstâncias até mais do que o trabalho dito “normal”.
Quando lhe perguntamos sobre o atual edifício sede, no Largo do Calhariz, responde‑nos que os edifícios, porque são dois, o Palácio Palmela e o Palácio Sobral, do séc. XIX, são lindíssimos mas muito pouco funcionais, com enormes desperdícios de
espaço e inadaptados às necessidades dos dias de hoje, nomeadamente tecnológicas. Acha que as equipas vão mudar para melhor, saindo da Baixa para uma nova centralidade, com todas as acessibilidades, e um grande jardim, além de todas as características já referidas do novo edifício. A ideia será tornar toda a envolvente uma zona mais humana, mais pedestre, com alguma animação, que a torne mais atrativa. Depois de vermos, em primeira mão, a imagem do novo edifício da Fidelidade, conseguimos partilhar o entusiasmo do seu Chairman, e sentimos que vai custar esperar até 2023, data em que se prevê que a sua construção esteja concluída. Mas o tempo passa a correr, e o futuro está já ao virar da esquina.

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