Grande Entrevista

Publicado em Edição 17

José Manuel Fonseca

Abrindo novos caminhos

Falar da MDS nas últimas duas décadas é falar de José Manuel Dias da Fonseca, e o contrário também é verdade. Há 24 anos, depois de um percurso como economista e banqueiro, José Manuel Fonseca, que se assume como um homem de cultura, ‘pegou’ na corretora de seguros do Grupo Sonae, com pouco mais de uma dúzia de colegas, e, aos poucos, de forma discreta, mas focada, criou um ‘pequeno gigante’, que está hoje integrado num ‘gigante’ maior, a Ardonagh. Pelo caminho, fundou a Brokerslink e mudou o panorama do setor em Portugal e nos países onde a ambição da expansão foi chegando. E este é – felizmente – um sonho lindo e sem fim, como revelou na conversa com Paula Rios, editora-chefe da FULLCOVER.

O desafio que a Sonae me lançou foi o de transformar a pequena mediadora cativa num centro de excelência na área do risco e dos seguros e reconhecida como tal no grupo. Transformá‑la no líder do setor era forma de o conseguir.

Nick Walsh, José Manuel Fonseca e Belmiro de Azevedo. Jantar de celebração do 25º aniversário da MDS, 2009

Quando entraste na MDS, a empresa tinha cerca de 15 pessoas e essencialmente um grande cliente, o Grupo Sonae. Como é que partiste desta base para a criação de um grupo que rapidamente se tornou líder em Portugal e um dos mais relevantes a nível mundial?

O desafio que a Sonae me lançou foi o de transformar a pequena mediadora cativa num centro de excelência na área do risco e dos seguros e reconhecida como tal no grupo. Transformá‑la no líder do setor era forma de o conseguir, com o próprio mercado a certificá‑lo. O Eng.º Belmiro, a quem reportava diretamente, dava muita importância ao risco e aos seguros, acompanhando de perto a empresa, dando uma enorme liberdade e autonomia de gestão, o que foi muito importante nesses primeiros anos.

Fora da Sonae, a MDS não era conhecida…

É verdade, o que nos trouxe algumas vantagens: como a empresa era pouco conhecida, fomos crescendo fora dos holofotes do mercado, discretamente. Depois, no mundo dos corretores, poucos me conheciam – era conhecido noutros setores onde tinha trabalhado inclusive nos seguros, tinha sido CEO de duas seguradoras, mas não na área da distribuição, não era um “deles”, era mais um gestor. O que nos permitiu discretamente ganhar “músculo”, até com alguns clientes próximos da Sonae, de forma a começarmos a ter alguma visibilidade. A Sonae dava – e dá – muita credibilidade, foi sempre uma organização muito correta e profissional. Reforçámos muito a nossa equipa com quadros de grande qualidade técnica de forma a consolidarmos uma corretora de perfil muito técnico e profissional.

Foste ao mercado procurar referências…

A primeira pessoa que convidámos foi o Dr. Adelino Pereira, antigo Diretor da Tranquilidade. Era uma figura respeitada, que conheci quando, quadro do Banco Português do Atlântico (BPA), “estagiei” na Tranquilidade, e que colaborou comigo no primeiro projeto de bancassurance em Portugal. Integrou a Administração da MDS, trazendo o know‑how e o prestígio duma longa experiência. A sua vinda levou o mercado a olhar para nós doutra forma, porque eu era um pouco um outsider. E fomos crescendo…

Qual foi a primeira aquisição?

A nossa primeira aquisição, em 2001, foi entrar no capital dum jovem broker de “internet” (na altura não se dizia digital), a FirstAssur, baseado em Paris. Foi uma aposta de risco, só possível pelo perfil arrojado de risk taker do Eng.º Belmiro. Pensávamos que era possível vender seguros através da internet, não era. Mas rapidamente o broker transformou‑se numa operação de affinities, que foi absolutamente fundamental para a MDS. Se hoje somos fortíssimos nesta linha de negócio, tem muito a ver com esta operação. É interessante, agora à distância, verificar que a primeira vez que investimos, nós que éramos ainda uma empresa relativamente pequena, foi em algo totalmente fora da caixa na altura e ainda por cima fora de Portugal, em França.

E em termos de expansão nacional?

A MDS não tinha presença física em Lisboa e isso era obviamente um problema sério. Equacionámos abrir um escritório ou comprar uma operação e arrancar com força. Optámos pela segunda, adquirindo em 2004 a MSE, uma corretora de boa dimensão, com uma equipa com cerca de dez colaboradores. Foi a nossa primeira aquisição em Portugal depois da FirstAssur em Paris e da Lazam em São Paulo, em 2002. Um passo estratégico decisivo.

Estamos em 2004....

Eu e o Thierry Pérouse, líder do broker francês Pérouse, com quem muito colaborávamos, vínhamos conversando sobre a ideia de fazermos algo a nível internacional. Tínhamos alguns clientes internacionais, a própria Sonae estava em quase vinte países, e queríamos ganhar autonomia no serviço internacional e não depender de outros, com os riscos que isso implicava.

Em junho desse ano organizámos uma grande conferência no Porto para assinalar o 20.º aniversário da MDS. Todos os nossos parceiros internacionais à época aceitaram o convite – a Pérouse de França, a Artai de Espanha, a Lazam – MDS do Brasil e a Cooper Gay, um broker de resseguro de Londres. Aproveitei a sua presença no Porto para os desafiar para o projeto que já tinha delineado. Com a minha colega do Marketing, a Liliana Batista, contratámos uma agência, a quem demos um briefing para nos ajudar a dar nome ao ‘sonho’. Ficou Brokerslink. Produzimos um draft de brochura, um logotipo, uma marca e – sem dizer nada a ninguém! – no dia da conferência, convidei‑os para almoçar. Falámos da ideia de construir uma rede internacional de corretores. Ficaram todos muito entusiasmados. Quando chegámos aos next steps: “Aqui está: brochura, logotipo, nome. Agora só falta criá‑la.”. E assim nasceu a Brokerslink, no Porto, um momento‑chave para a MDS e, até, para a história dos seguros em Portugal.

Esse conceito já existia no mundo da corretagem?

Sim, existiam algumas redes americanas muito fortes e já com longa história. É verdade que fomos um pouco ingénuos, mas, como dizia o poeta António Gedeão, “o sonho comanda a vida”. E nasceu assim a Brokerslink. Fomos crescendo, pouco a pouco, e aquele grupo acabou por dar origem a uma organização mundial, que é hoje uma empresa com sede na Suíça, com cerca de 60 acionistas de todos os continentes, sendo a MDS um dos principais. Hoje, a Brokerslink detém e gere uma rede presente em 133 países, representando mais de 70 mil milhões de dólares de prémios e que tem, entre os seus membros, alguns dos maiores brokers do mundo.

Ajudou a MDS a crescer, certamente.

Seguramente, mas muito mais que isso. Deu‑nos uma enorme visibilidade internacional, capacidade de serviço integrado aos nossos clientes, acesso a mercados e know‑how, reforçando em muito a nossa marca e reputação, mais uma vez diferenciando‑nos muito da nossa concorrência.

A rede foi também crescendo.

Sim, no início era essencialmente europeia. Depois daquele pequeno núcleo inicial, juntaram‑se à Brokerslink, a Junge na Alemanha, a SRB na Suíça, a Bridge no Reino Unido e por aí fora. Nesse caminho, o Toby Esser, na altura CEO da Cooper Gay, apresentou‑me ao líder duma rede semelhante à nossa na Ásia: a PanAsian Alliance, com base em Hong Kong. Encontrei‑me com o Hei Wong em Singapura em 2006 e fechámos pouco depois uma parceria com a PanAsian e a Brokerslink. Logo de seguida passou‑se algo semelhante na América Latina, com a Alinter, outra rede regional com sede na cidade do México. Tudo isto sem um presidente ou organização formal. Reuníamos com alguma frequência e íamos tomando as nossas decisões. Crescemos, ganhámos tração, até que se começou a discutir a ideia da fusão. E, em novembro de 2008, reunimos em Banguecoque e tomámos essa decisão refundadora, criando uma rede única, com uma marca única: a Brokerslink. Para sermos verdadeiramente globais, faltavam apenas os Estados Unidos. Visitei diversos brokers naquele país e no final a Frank Crystal, com sede em Nova Iorque, juntava‑se à rede.

Concluíamos uma fase fundamental da expansão, muito interessante porque o fizemos de “baixo para cima”, integrando sempre os novos com muito cuidado e carinho. Criámos uma rede muito forte do ponto de vista das relações humanas. Culminámos esta etapa com a realização da nossa primeira Conferência Global, em junho de 2009 em Hong Kong, a primeira de muitas outras que marcam hoje a agenda anual do setor no mundo.

[Na Brokerslink] existe partilha de negócio e existe criação de novo negócio em parceria. Existe partilha de conhecimento, de especialização. Muito fascinante quando lidamos com amigos de 133 países, culturas e regiões tão diferentes, absolutamente extraordinário.

Em que medida a Brokerslink cresceu de forma diferente?

As grandes redes nasceram sobretudo a partir de associações de corretores americanos que se organizaram para assegurar serviço aos seus clientes no estrangeiro. A Brokerslink foi sempre mais horizontal, sem verdadeiro centro, nem inglesa, nem americana, nem francesa… Talvez o facto de o verdadeiro motor da rede ser uma empresa portuguesa tenha ajudado muito. Éramos vistos como um entre iguais e não como polo controlador.

Algo muito diferenciador é o facto de termos apenas um broker por país, evitando conflitos de interesses e ajudando a uma forte coesão entre os membros. De referir, igualmente, que nascemos com o propósito muito ambicioso de desenvolvimento de novo negócio e não apenas de partilhar o que já tínhamos, que nos pareceu muito defensivo.

Existe essa partilha de negócio na Brokerslink…

Existe partilha de negócio e existe criação de novo negócio em parceria. Existe partilha de conhecimento, de especialização. Muito fascinante quando lidamos com amigos de 133 países, culturas e regiões tão diferentes, absolutamente extraordinário.

No fundo é uma aliança que ajuda todos a crescer…

Sim. É uma empresa, da qual me orgulho muito de ser Presidente e CEO, com uma administração muito diversa, e uma fabulosa equipa própria, composta de muitas nacionalidades, responsável pela gestão da rede. No entanto, há que referir que, apesar de sempre a ter liderado, nos primeiros anos essa liderança foi sempre informal. Institucionalizámos a organização quando nos pareceu que a sua dimensão e complexidade a isso obrigou. O que é muito o nosso ADN.

Já há pouco referiste o tema do ‘ser português’.

Quando a Brokerslink nasce, éramos apenas cinco brokers. Durante esses primeiros anos não éramos muitos, ou seja, podíamos discutir os temas e chegar a consensos à volta de uma mesa que ia começando a crescer. Claro que havia uma liderança, informal, que conduzia e marcava o ritmo: a MDS. Fomos nós que criámos, liderámos, e mantínhamos a organização a funcionar de forma muito aberta, gerando uma enorme confiança entre todos. Achei que no início não era preciso formalizar essa liderança, também porque tinha noção de que por vezes os outros veem-nos com um certo “desconto”, até nos conhecerem bem, e esse é o momento da formalização, requerida por todos, onde a decisão sobre a liderança foi naturalíssima, demorou dois minutos e assim me tornei formalmente líder, até hoje.

Como vês o desenvolvimento futuro da Brokerslink? Ainda há espaço para crescer?

A Brokerslink é um ecossistema colaborativo muito original e único, composto de corretores de seguro em 133 países, mas não só. Em cima dessa rede primária contamos com brokers especializados em certos segmentos, com empresas de risk consulting, law firms especializadas em seguros, avaliação de ativos, sinistros, cativas entre outras áreas. O crescer já não é essencialmente geográfico, mas enriquecer a rede, desenvolver negócios e parcerias. Não falta espaço para crescer.

Como surge o Brasil no caminho da MDS?

Entrei para a MDS no dia 2 de janeiro de 2000. Quinze dias depois estava no Rio de Janeiro, com o meu colega na altura José Figueiredo, para tentar fechar um sinistro no IRB (Instituto de Resseguro do Brasil), ocorrido na construção da fábrica da Sonae Indústria no Paraná.

À nossa espera estava um português, o Sr. Fernando Nunes, que tinha sido Presidente da seguradora Aliança da Baía e da Sedgwick Brasil, até então o broker da Sonae, entretanto vendido à AON no Brasil. Nesta qualidade estava lá para nos ajudar com este sinistro. A química foi imediata, não era difícil, o Fernando Nunes era um homem extraordinário, um gigante do mercado brasileiro, com quem aprendi muito, mesmo muito.

Nessa mesma viagem, já em São Paulo, visitámos um pequeno corretor chamado Lazam, ligado à família Feffer, dona da Suzano, e com fortes relações pessoais com a família Azevedo. Começámos a juntar dois mais dois. Primeiro contratámos o Fernando Nunes para gerir connosco os seguros dos diferentes negócios da Sonae, depois começámos a conversar com o Daniel Feffer e com o seu pai, Max Feffer…

E acabaste a comprar 45% da Lazam…

Sim, finalmente em abril de 2002, a MDS adquiriu 45% da Lazam, que passaria a chamar‑se Lazam‑MDS.

Ir para o Brasil foi um passo de gigante…

A ida para o Brasil foi uma das decisões estratégicas mais importantes que tomámos. Só de pensar que aquando da nossa entrada na Lazam, a empresa vendia cerca de 1,6 milhões de reais e hoje ultrapassa os 700 milhões de reais, já incluindo a nossa última aquisição no território, a D'Or Consultoria.

A MDS ganhou outra escala. Alguma vez pensaste que o Grupo fosse tão longe?

A minha postura é sempre positiva, vamos tão longe quanto possível, com muita ambição positiva e alguma insatisfação militante. E sempre que entramos num mercado novo é para sermos referência do mercado, pela dimensão e pela qualidade. Crescemos muito – bastante organicamente e também por aquisição. Começámos com vinte e poucos colegas no Brasil, hoje somos mais de 1800. Somos, creio, um case study de sucesso de investimento português naquele país. Penso que todo o grupo é de certa forma um lindo case study.

Somos, creio, um case study de sucesso de investimento português [no Brasil]. Penso que todo o grupo é de certa forma um lindo case study.

Continuamos atentos a novas oportunidades?

O Brasil é um mercado gigante, ainda muito fragmentado, com muitas oportunidades. E nós temos uma grande atratividade para captar equipas e outras empresas, o que nos dá uma grande vantagem. Sim, estamos muito atentos e a atuar.

Acompanhaste de muito perto a operação no Brasil?

Estamos a falar de um país enorme, duma grande economia, a nona do mundo, com a complexidade que isso acarreta. Sempre acompanhei de muito perto a operação e as equipas, aprendendo a respeitar o mercado e a construir equipas locais robustas e motivadas. Tenho o maior dos orgulhos na nossa equipa do Brasil, desde o CEO aos Vice‑Presidentes, passando pelo resto da “turma”. O Brasil não é um mercado que se possa gerir à distância, sobretudo quando se cresce.

Falámos da primeira aquisição da MDS, em França, da Brokerslink, do Brasil, do tema do ser português e da importância da portugalidade nos negócios. Mas, na história da MDS, há mais momentos relevantes. Um deles é a Cooper Gay…

Conhecemos a Cooper Gay em 2003/2004. E no ano seguinte passou a ser o nosso broker de resseguro, que nos apoiava na colocação do programa mundial da Sonae. Não era um mega broker, mas com um serviço de muita qualidade, muito tailor‑made. Começámos a conversar sobre possíveis projetos em comum, até que um dia eu e o CEO, Toby Esser, começámos a desenhar a ideia da MDS entrar no seu capital com uma posição relevante. Comecei a sonhar, partilhei‑o com o Eng.º Belmiro que se entusiasmou com a ideia e, algum tempo depois tínhamos 32% do capital da empresa.

Viu a ideia com grande satisfação?

Por ele, concluía‑se a operação no dia seguinte. Mas foi uma discussão difícil, havia questões jurídicas complexas, o sistema legal inglês é muito diferente do nosso. Era uma operação muito pioneira. Mas acabámos por fechar o negócio e tornámo‑nos no seu maior acionista, já que os restantes eram todos executivos da Cooper Gay. Foi muito importante, deu uma visibilidade enorme à MDS à escala global.

Portugueses às compras em Londres…

Uma raridade. Passei a integrar a sua Administração, em conjunto com o Eng.º Ângelo Paupério, o que também foi muito importante. Lembro‑me de o CEO da AIG mundial, na altura o Martin Sullivan, me enviar uma carta muito entusiasta a dar‑me os parabéns! Foi um momento muito importante e o maior investimento de sempre de uma empresa de seguros fora de Portugal. Não foi uma seguradora, foi um broker. Foi um momento histórico para o mercado português.

Do que gostas mais nesta atividade? Da gestão de risco?

O que me dá mais prazer nesta atividade, é que os seguros têm tudo a ver com pessoas. Seguro significa conselho, conhecimento, é uma atividade que obriga a conhecer pessoas do mundo inteiro, com culturas e histórias diferentes, riscos diferentes. É uma atividade muito ligada à sociedade e à sua evolução, muito pouco commodity, como de certa forma é a banca comercial.

E os seguros, não?

Os seguros estão sempre a evoluir em função da própria evolução da sociedade. Surgem novos riscos, por exemplo, os ambientais, os cibernéticos, etc. Se há setor que tem um enorme impacto nas sociedades, nas famílias e nas empresas, é o dos seguros. Não há investimento sem seguros, não se viaja sem seguro. Mas ainda não é devidamente valorizado. Uma coisa extraordinária nos seguros – e acho que nunca ninguém fez o cálculo – é o volume de sinistros que o setor paga, isto é, que devolve à sociedade e à economia. São muitos biliões anualmente! Numa inundação, por exemplo: o seguro repõe tudo, mas repõe tudo em novo. Repõe o ecossistema. Pensa no que se passou nas Torres Gémeas, em Nova Iorque, no 11 de setembro de 2001: o setor liquidou cerca 60 mil milhões de dólares em praticamente um ano.

A abordagem à gestão de risco tem evoluído ao longo do tempo?

É muito importante esse tema. O risco faz parte da natureza humana: o homem é um aventureiro, assume riscos. O que vai mudando é a consciência, a perceção do risco, o grau de tolerância ao risco. Hoje somos muito mais intolerantes face a riscos em relação aos quais, há 40 anos, éramos mais tolerantes, porque as sociedades evoluem.

Quais são os riscos mais difíceis de antecipar?

Os grandes riscos, as grandes ameaças, são inundações, fogos, eventos extremos, riscos que as seguradoras estão sempre a modelizar. É o que chamamos, em seguros, Acts of God, que não podemos controlar. E depois há os riscos cibernéticos, que hoje já não estão apenas nas empresas, e os riscos políticos. O espectro é enorme.

Quais são as grandes inovações que a MDS trouxe?

A palavra inovação é uma palavra perigosa, usa‑se e abusa‑se do conceito. Desde que comecei a minha carreira empresarial, no fantástico Banco Português do Atlântico, que a palavra inovação foi sempre determinante. A inovação é um espaço e um caminho de diferenciação e de contributo. A MDS tem tido, ao longo da sua história, principalmente em Portugal, um papel de referência, ou seja, várias das iniciativas que implementou são muito inovadoras, porque nos diferenciaram e revelaram alguma ousadia – que faz muito parte da cultura da MDS. A nossa primeira aquisição mostra bem este lado – uma ainda pequena empresa do Porto, com ambição de liderar o mercado nacional, começa por adquirir um broker de internet em Paris, algo completamente ‘fora da caixa’, que irá ter um impacto brutal no futuro da empresa. A Brokerslink também é radicalmente inovadora.

Também o lançamento de seguros na grande distribuição, que fizemos com os Seguros Continente, numa onda que vinha da Europa. Foi um projeto que nos ensinou muito, hoje somos fortes nessa área da venda digital no consumo – e começou aí.

Inovámos também com a realização do Fórum da FERMA – Federation of European Risk Management Associations – em Lisboa, em 2005, com a APOGERIS – Associação Portuguesa de Gestão de Riscos e Seguros – que lancei em Portugal, muito apoiada pela MDS. O investimento na Cooper Gay, que já referi, foi absolutamente radical e muito importante para a MDS. Poderia ainda citar o lançamento da HighDome, a nossa seguradora cativa em Malta (sim, a MDS é detentora integral duma seguradora…), o lançamento do primeiro portal cliente digital do país, em 2011, o primeiro projeto estruturado de wholesale com a MDS Partners, para não falar da FULLCOVER.

Capa da 1ª edição da FULLCOVER, que recebeu o prémio Ouro na categoria de Design Editorial do Clube dos Criativos

Esse é um tema muito próprio da MDS, também inovador, a partilha de conhecimento. Um bom exemplo é a FULLCOVER. Como é que um grupo que nada tem que ver com comunicação entra numa aventura editorial?

Há várias causas: primeiro, a rebeldia e a diferenciação; depois, a responsabilidade de sermos o broker líder. Ser líder não é só ser o maior, é também abrir novos caminhos e, no mercado português, achámos que havia baixa literacia de risco e seguros. Não estamos no mercado apenas para ter lucro, entendemos que era importante contribuir para uma melhor cultura de risco e seguros.

A FULLCOVER é muito isso, mas é também um instrumento essencial de notoriedade da MDS. Querendo ter uma presença internacional, achámos que uma revista como a FULLCOVER, tendo um contributo importante para Portugal, podia ser também uma forma de mostrar o que somos e queremos ser fora de portas. Se alguém quiser saber o que é a MDS, lê a FULLCOVER. Caracteriza muito o nosso ADN – internacional, aberta ao conhecimento, à colaboração com o mercado. Não é uma revista de propaganda, ou de autopromoção. Conta com a colaboração de grandes figuras internacionais, e nacionais, bem como de colaboradores do grupo, e criou um projeto que é hoje – e ouço isto frequentemente e em toda a parte – a melhor revista de seguros do mundo.

Ser líder não é só ser o maior, é também abrir novos caminhos. Não estamos no mercado apenas para ter lucro, entendemos que era importante contribuir para uma melhor cultura de risco e seguros.

Mas não há apenas a FULLCOVER na MDS…

Desenvolvemos um cluster editorial no setor: um conjunto de outras publicações, como a Faces of Insurance, que dá a conhecer grandes figuras do setor e o seu contributo e legado para o mercado e para as novas gerações ou a coleção Keep it Simple, que pretende descomplicar temas do risco e dos seguros.

Por outro lado, a MDS é também uma empresa próxima das instituições culturais. Achamos que é importante, à nossa escala, apoiar iniciativas culturais, desportivas ou de responsabilidade social.

Em poucas palavras, consegues descrever a cultura do grupo? A cultura de uma empresa é uma coisa que se sente. A MDS tem uma cultura de grande abertura, com um espírito de grande colaboração, que privilegia o espírito de equipa e não o indivíduo. Temos um espírito aberto. Sempre tivemos uma cultura de grande humanismo, procurando sempre criar climas onde todos se sintam integrados e onde gostem de trabalhar. Isto muito antes das modas do wellbeing e do balance.

Em 2022, o Grupo Ardonagh comprou a MDS. O que levou este ‘gigante’ a querer comprar‑nos?

Vamos distinguir a coincidência da estratégia. Mais uma vez, são os ciclos da história: comprámos a Cooper Gay em 2007, e depois esta fundiu‑se com uma empresa americana, a Swett & Crawford, dando origem à Cooper Gay Swett & Crawford. Depois, parte do capital desta foi vendido a uma private equity, Lightyear Capital. A MDS vendeu parte do capital, houve muitas transformações e, depois, em 2015, esse grupo torna‑se maioritário e escolhe Steve Hearn como CEO. Passa a chamar‑se Ed Broking. Em 2016, a MDS vende a sua participação a um grande fundo americano, BGC, que se torna acionista integral da Ed Broking. Passado algum tempo, mudaram o nome para Corant, empresa que detinha a Ed Broking, que é posteriormente vendida à Ardonagh, liderada pelo David Ross.

O passo seguinte da Ardonagh foi a aquisição da MDS, etapa muito importante do seu projeto de expansão internacional.

Este é o lado dos ciclos da história?

Nós investimos em Londres numa empresa, que depois de muitas voltas vem investir em Portugal na MDS. Uma jornada muito bonita.

E o lado estratégico?

A MDS foi, e continua a ser, muito importante na estratégia de expansão internacional do Grupo Ardonagh. De resto, era uma “noiva bastante desejada”, sempre houve muitas grandes empresas interessadas em adquirir a MDS, ao longo dos anos.

Como foi o processo de venda do grupo?

A decisão foi obviamente dos nossos acionistas de então – Sonae e Suzano – tomada em novembro de 2019. A primeira reunião com o consultor contratado para a venda, o Bank of America, foi em janeiro de 2020. Lembro‑me que um dos potenciais investidores perguntou o que achávamos daquela crise que vinha da China (a Covid-19) e ninguém deu grande importância… Tanto a Sonae, como o Grupo Suzano, pensaram em vários ângulos: o negócio dos seguros não era foco para os dois grupos, a MDS era uma empresa com ótimos resultados, muito reputada internacionalmente, com uma forte equipa de gestão, numa fase de diversificação dos negócios e de mercados, que exigia investimento, parecia o momento certo para vender com tranquilidade e dotar a empresa de maior capacidade de fogo.

A escolha recaiu sobre a Ardonagh. Começámos as reuniões em 2021 (todo o processo tinha sido adiado devido à pandemia), depois assinou‑se o acordo em 23 de dezembro de 2021 (foi um Natal diferente), e a aquisição ficou concluída em 2 de dezembro de 2022.

O que é que mudou, para um e para outro?

Mudou o facto de passarmos a pertencer a um grupo muito forte, que nos traz mais recursos, conhecimento, produtos e soluções. Assim como capital para expansão e ganho de escala. O novo acionista manteve a equipa de gestão e a marca, homenageando assim este grande projeto que a Sonae e a Suzano ajudaram a construir.

A compra da MDS pela Ardonagh é o início de uma fase de grande mudança no setor português da corretagem. Acho que esta aquisição mostrou ao mercado a importância de Portugal.

Como VP do conselho da Ardonagh Internacional, qual é a tua função?

O conselho internacional é uma plataforma de discussão e de orientação de toda a estratégia internacional do Grupo Ardonagh e é com o maior gosto que participo nesta reflexão estratégica. Mostra também a importância com que a Ardonagh vê o Grupo MDS.

Como vês o grupo daqui a 40 anos?

Vejo a afirmar‑se como um player global muito forte na área da distribuição com particular ênfase na Ibéria, América Latina e África, com uma cultura e uma estratégia muito inovadoras e únicas.

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